Devia estar-se aí pelos anos 80 ou 90 do século XIX: digamos por volta de 1880 ou 1890. O nosso caro amigo Daniel Machado afirma que foi em 1890 que foi construída a igreja no local onde está hoje, no seu magnífico livro de etnografia popular a que deu o título simples de «Casteleiro» e que agora amavelmente me ofereceu com dedicatória simpática que agradeço.
Pois bem: admitamos: estava-se em 1890.
Soube nestas férias que haveria então no Casteleiro – como em todo o País – dois partidos principais, ambos monárquicos ainda (já começava a aparecer lá para Lisboa o Partido Republicano, mas aqui ainda era cedo): um mais conservador e outro mais modernaço. Para a altura, claro. E cada um tinha o seu chefe, como era hábito no País (leia a nota 1).
Os dois chefes, «como mandavam as normas», nem se podiam ver.
As famílias chegavam a insultar-se de quintal para quintal, lá atrás.
E as famílias vizinhas a apreciar tudo.
Isso passava-se, digamos, das traseiras do actual Centro para as traseiras da casa que depois foi do Sr. Manuelzinho Fortuna.
Mas o pior eram as relações políticas e não só entre os chefes políticos e os seus apoiantes. Como em cada localidade do resto do País, nesses idos de 1880/1890, esses dois «chefes de partido» eram pessoas das mais influentes da aldeia.
Tanto quanto me contam, havia na altura no Casteleiro, como no resto do País, muita luta entre os partidos (leia a nota 2).
Ora o que é que isto tem a ver com a igreja?
Tem tudo e já veremos porquê.
É que ambos os partidos – ou melhor, os seus chefes – queriam oferecer terreno para a construção de uma igreja, uma vez que a igreja matriz da época (a capela do Reduto, dedicada ao Espírito Santo) era já muito pequenina.
Mas há mais.
Acresce que, no local onde hoje está a igreja matriz ou igreja paroquial, estava ainda o cemitério e uma capela.
Ora uma lei liberal de 1834 tinha proibido os enterramentos dentro das localidades (leia a nota 3).
Por isso, colocava-se à data um duplo problema: construir uma igreja matriz maior e transferir o cemitério para fora da aldeia.
O cemitério foi então criado no local onde hoje está e os corpos trasladados.
O local de construção da nova Igreja Matriz
Mas… e a nova igreja? O que é que as lutas entre os partidos têm a ver com a nova igreja?
Pois conta-se na nossa tradição oral que a coisa foi assim: o chefe do partido conservador ofereceu para a nova Igreja um terreno junto do cemitério da época, mesmo no sítio onde agora está de facto a Igreja Matriz; e o chefe do outro partido terá adiantado outra oferta de terreno: queria que a igreja fosse construída no terreno a que chamamos «Miranda» (cá em cima, onde depois foi instalada e onde ainda se encontra a cabina eléctrica, à beira estrada).
A minha fonte diz que o povo foi a votos e que ganhou o local lá de baixo.
Eu não acredito que houvesse uma verdadeira votação de braço no ar em pleno final do século XIX.
O que deve ter acontecido é que a maioria das pessoas, o pároco e os seus mais próximos seriam também mais próximos do partido mais conservador e assim se terá decidido construir a igreja ao lado do sítio onde estava o cemitério da época (que julgo que ficaria lá atrás, no adro de acesso ao Coro).
… E assim ficámos com a Igreja Matriz do Casteleiro naquele local mais antigo e mais histórico onde está hoje.
A torre
Há também uma história que ouvi nestas férias à lareira sobre a construção da actual torre, que não vem de 1880-90 como a igreja mas sim de 60 ou 70 anos depois.
Mas essa história fica para outra crónica, que esta já vai longa.
Bom Ano, Amigos!
_________________
Notas
1.
As duas formações partidárias da época no País, se ainda me lembro de quando estudei estas coisas, seriam o Partido Histórico e o Partido Democrata.
No Casteleiro, os seus chefes eram os seguintes: um, julgo que do Partido Histórico, mais conservador, era o «Sr. Calheiros» (que vivia na casa mais tarde habitada pelos sobrinhos, o Pe. Fortuna e o Sr. Manuel Fortuna, ao pé da actual Igreja).
O outro, do Partido Democrata, era «o Sr. Manuel José» (pai do Dr. Guerra, marido da Sra. Dona Maria do Céu, da «Quinta» – que na altura viviam nas casas depois ocupadas pela famílias do Pe. António Diogo e no que hoje é o Centro, e onde hoje está também a Junta de Freguesia).
2.
O chefe do partido mais conservador, que, como digo na nota 1 e de acordo com a minha fonte, era «o Sr. Calheiros», tinha um filho muito aguerrido. Tinha o hábito de percorrer o Casteleiro de noite armado de paus e outras armas da época para bater nos adversários políticos e familiares. Uma noite, o rapaz (já com boa idade, entenda-se, não seria nenhuma criança) andava então na sua ronda, armado de uma barra de ferro. Na quelha de trás da casa onde mais tarde habitaria da Sra. Maria Augusta, costureira, mulher do Sr. Miguel «Beijina», encontra-se com ele um adepto da facção contrária, por sinal meu tio-bisavô e ia atacá-lo. O homem tirou a barra de ferro ao rapaz e deu-lhe com ela na cabeça. De tal modo que, segundo me contam, o rapaz esteve de cama até que morreu, um ano depois.
3.
Esta lei levantou muita polémica no século XIX. As suas razões claro que tinham a ver com epidemias e cheiros da situação dos cemitérios próximo das casas de habitação (seriam tantos os cheiros na aldeia, pelo que deduzo, que ninguém achava estranhos os do cemitério). Mas as reacções à lei não se fizeram esperar. Conta-se mesmo que em certas aldeias se recusavam a «enterrar os nossos mortos no meio do mato». No Casteleiro, levou pelo menos 56 anos a ser aplicada esta lei.
Pois bem: admitamos: estava-se em 1890.
Soube nestas férias que haveria então no Casteleiro – como em todo o País – dois partidos principais, ambos monárquicos ainda (já começava a aparecer lá para Lisboa o Partido Republicano, mas aqui ainda era cedo): um mais conservador e outro mais modernaço. Para a altura, claro. E cada um tinha o seu chefe, como era hábito no País (leia a nota 1).
Os dois chefes, «como mandavam as normas», nem se podiam ver.
As famílias chegavam a insultar-se de quintal para quintal, lá atrás.
E as famílias vizinhas a apreciar tudo.
Isso passava-se, digamos, das traseiras do actual Centro para as traseiras da casa que depois foi do Sr. Manuelzinho Fortuna.
Mas o pior eram as relações políticas e não só entre os chefes políticos e os seus apoiantes. Como em cada localidade do resto do País, nesses idos de 1880/1890, esses dois «chefes de partido» eram pessoas das mais influentes da aldeia.
Tanto quanto me contam, havia na altura no Casteleiro, como no resto do País, muita luta entre os partidos (leia a nota 2).
Ora o que é que isto tem a ver com a igreja?
Tem tudo e já veremos porquê.
É que ambos os partidos – ou melhor, os seus chefes – queriam oferecer terreno para a construção de uma igreja, uma vez que a igreja matriz da época (a capela do Reduto, dedicada ao Espírito Santo) era já muito pequenina.
Mas há mais.
Acresce que, no local onde hoje está a igreja matriz ou igreja paroquial, estava ainda o cemitério e uma capela.
Ora uma lei liberal de 1834 tinha proibido os enterramentos dentro das localidades (leia a nota 3).
Por isso, colocava-se à data um duplo problema: construir uma igreja matriz maior e transferir o cemitério para fora da aldeia.
O cemitério foi então criado no local onde hoje está e os corpos trasladados.
O local de construção da nova Igreja Matriz
Mas… e a nova igreja? O que é que as lutas entre os partidos têm a ver com a nova igreja?
Pois conta-se na nossa tradição oral que a coisa foi assim: o chefe do partido conservador ofereceu para a nova Igreja um terreno junto do cemitério da época, mesmo no sítio onde agora está de facto a Igreja Matriz; e o chefe do outro partido terá adiantado outra oferta de terreno: queria que a igreja fosse construída no terreno a que chamamos «Miranda» (cá em cima, onde depois foi instalada e onde ainda se encontra a cabina eléctrica, à beira estrada).
A minha fonte diz que o povo foi a votos e que ganhou o local lá de baixo.
Eu não acredito que houvesse uma verdadeira votação de braço no ar em pleno final do século XIX.
O que deve ter acontecido é que a maioria das pessoas, o pároco e os seus mais próximos seriam também mais próximos do partido mais conservador e assim se terá decidido construir a igreja ao lado do sítio onde estava o cemitério da época (que julgo que ficaria lá atrás, no adro de acesso ao Coro).
… E assim ficámos com a Igreja Matriz do Casteleiro naquele local mais antigo e mais histórico onde está hoje.
A torre
Há também uma história que ouvi nestas férias à lareira sobre a construção da actual torre, que não vem de 1880-90 como a igreja mas sim de 60 ou 70 anos depois.
Mas essa história fica para outra crónica, que esta já vai longa.
Bom Ano, Amigos!
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Notas
1.
As duas formações partidárias da época no País, se ainda me lembro de quando estudei estas coisas, seriam o Partido Histórico e o Partido Democrata.
No Casteleiro, os seus chefes eram os seguintes: um, julgo que do Partido Histórico, mais conservador, era o «Sr. Calheiros» (que vivia na casa mais tarde habitada pelos sobrinhos, o Pe. Fortuna e o Sr. Manuel Fortuna, ao pé da actual Igreja).
O outro, do Partido Democrata, era «o Sr. Manuel José» (pai do Dr. Guerra, marido da Sra. Dona Maria do Céu, da «Quinta» – que na altura viviam nas casas depois ocupadas pela famílias do Pe. António Diogo e no que hoje é o Centro, e onde hoje está também a Junta de Freguesia).
2.
O chefe do partido mais conservador, que, como digo na nota 1 e de acordo com a minha fonte, era «o Sr. Calheiros», tinha um filho muito aguerrido. Tinha o hábito de percorrer o Casteleiro de noite armado de paus e outras armas da época para bater nos adversários políticos e familiares. Uma noite, o rapaz (já com boa idade, entenda-se, não seria nenhuma criança) andava então na sua ronda, armado de uma barra de ferro. Na quelha de trás da casa onde mais tarde habitaria da Sra. Maria Augusta, costureira, mulher do Sr. Miguel «Beijina», encontra-se com ele um adepto da facção contrária, por sinal meu tio-bisavô e ia atacá-lo. O homem tirou a barra de ferro ao rapaz e deu-lhe com ela na cabeça. De tal modo que, segundo me contam, o rapaz esteve de cama até que morreu, um ano depois.
3.
Esta lei levantou muita polémica no século XIX. As suas razões claro que tinham a ver com epidemias e cheiros da situação dos cemitérios próximo das casas de habitação (seriam tantos os cheiros na aldeia, pelo que deduzo, que ninguém achava estranhos os do cemitério). Mas as reacções à lei não se fizeram esperar. Conta-se mesmo que em certas aldeias se recusavam a «enterrar os nossos mortos no meio do mato». No Casteleiro, levou pelo menos 56 anos a ser aplicada esta lei.
Texto de autoria de José Carlos Mendes
Sempre gostei de história, ainda mais quando é da terra que nos viu nascer nunca pensei que tivesse gerado tanta polémica a construção da igreja.
ResponderEliminarcontinuem a escrever linhas da história da freguesia.
Uma descoberta minha já depois deste escrito: contam-me que o referido Sr. Calheiros era tio-avô do Sr. «Manuelzinho» Fortuna.
ResponderEliminarFica a nota.
È sempre muito bom ouvir a história dos nossos antepassados e saber como as coisas funcionavam.
ResponderEliminarGosto dos seus textos, são muito interessantes.....
Fico á espera da próxima crónica sobre a torre...
Parabéns e boa continuação
Beatriz Costa
Pois bem. Então, dei-me ao trabalho de coligir num só post num dos meus blogs uma série de histórias que escrevi há três anos e que se destinam a um livro sobre o Povo da nossa terra mas na perspectiva da vivência humana com as suas piadas próprias.
ResponderEliminarJuntei tudo aqui (é só copiar o link e copiá-lo para o endereço ao alto da página da net, como saberá...):
http://lisboalisboa.blogspot.com/2010/01/historias-de-antanho-na-minha-aldeia.html