14/05/2010

Os Italianos

Para qualquer terra, se eu disser a palavra «italianos», isso significa apenas os habitantes da Itália. Ou seja: nada de local, nada de pessoal, nada de próximo.
Mas para a malta do Casteleiro, «Os Italianos» são algo bem conhecido: são um edifício. Melhor: eram um edifício. (Escrevo com maiúscula porque a expressão «Os Italianos» designa um local, um mito, quase).
Este local é aquele onde agora fica o Café Estrela.
O edifício que lá estava era por todos conhecido assim, simplesmente: «Os Italianos».
As situações em que se falava dos Italianos eram muito diversificadas.
O local foi inicialmente uma espécie de fábrica. Depois virou uma espécie de centro cultural ou melhor: centro de divertimento popular.

Então era assim:
- O Delfim vem cá fazer comédias.
- Onde?
- Nos Italianos.

Ou então isto:
- No domingo vem cá o acordeonista e há baile nos Italianos.

Ou ainda:
- Hoje à tarde há cinema nos Italianos.

Claro que estou a falar dos anos compreendidos entre 1942-43, data da construção, mas sobretudo dos primeiros anos da década de 50, e meados da década de 80 do século passado, quando o edifício original foi demolido para dar lugar às habitações que lá estão e ao café. Daquele grande empreendimento, resta apenas a imitação da grade exterior, junto da estrada.

Nesse tempo, é bom recordar, não havia ainda electricidade (foi instalada em 1955). Nos Italianos, claro, nunca ninguém mandou instalar corrente eléctrica. E quanto ao cinema, recordo que não havia ainda outro tipo de cinema que não o cinema mudo, não havia senão o cinema a preto e branco. A máquina de projecção funcionava com alguma espécie de energia: as pessoas mais velhas com quem falei não têm nenhuma ideia de que o senhor das fitas desse à manivela – como vemos nos filmes. Mas parece-me também muito cedo para ele ter um gerador. Mas não pense que o gerador é uma coisa muito moderna: foi inventado em 1831!

Mas então porquê tudo isto nos «Italianos»? Porquê esse enorme edifício rasteiro, tipo armazém, em tijolo revestido a cimento cinza clarinho, muito lisinho, coisa que sempre me impressionou? Porquê essa designação: «Italianos»?
Tudo simples e, mais uma vez, tudo ligado ao volfrâmio.
Já escrevi aí em baixo noutra crónica que muita gente do Casteleiro recolhia o volfrâmio nos campos e depois o vendia a intermediários que por sua vez acabavam por vendê-lo ou aos ingleses ou aos italianos, sendo que estes últimos o canalizavam sobretudo para os alemães.
Com o minério, ingleses e alemães faziam canhões e munições de alta potência.

No Casteleiro, instalou-se um grupo de italianos (quer dizer: instalaram a fábrica, uma separadora de minério). Basicamente eram dois irmãos: os Menegoni.
Construíram a separadora mas nem chegaram a usá-la: perderam a guerra quando tudo estava quase pronto, em 1943.
Fugiram, segundo percebi, para a Argentina.
Ficou o edifício: «Os Italianos». Ou, melhor ainda: «os Fornos dos Italianos».

Os mais novos, que são a maioria dos leitores deste blog, não fazem ideia do que é que estou a falar e nem sequer alguma vez viram o edifício.
Mas, se perguntarem aos pais e aos avós, não há quem não se lembre dos Italianos. E muitos dançaram lá ou viram lá as comédias do Delfim Pedro Paixão – um dos heróis da minha infância quase esquecido por toda a gente.



"Memória", espaço de opinião de autoria de José Carlos Mendes




3 comentários :

  1. As histórias do Casteleiro são lindas, mas contadas pelo meu avo têm outro encanto.
    Quando era pequena, não há muito tempo, o meu avo Manuel Fortuna contava-me estas histórias de uma maneira que só ele sabe contar. A minha atenção era total. Graças ao magnífico contador de Histórias fiquei a conhecer esta e outras.

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  2. Não me lembro nada disso como é óbvio, mas do comediante Delfim Pedro Paixão muitos de nós nos lembramos, porque ele todos os anos passava por cá para nos brindar com a magia que nos já conheciamos de côr mas era sempre bom reve-lo....era sempre uma noite bem passada....
    Bia

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  3. Do nascer dos Italianos não me lembro, mas das comédias do Delfim, perfeitamente!E do edifício antigo com as cracterísticas que descreve tambem me lembro! H.Fonseca

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