Com o inverno a aproximar-se a passos largos, é inevitável que me venha à memória o frio com gelo e vento que se faziam sentir na terra que me viu nascer. Na minha memória já distante, surgem também e por arrastamento, as tradições da época: sim, aquelas que deixaram marcas fortes como os sempre presentes cheiros, a que já aqui me referi. Nesses cheiros estão incluídas as matanças e todo o seu ritual. Sim, porque de um verdadeiro ritual se tratava. Era um dia altamente programado, em sintonia com a família e os amigos. Só depois de acertados todos esses detalhes, se marcava o dia. Não me posso esquecer de referir que o matador estava no topo de todos os interesses do grupo, por razões óbvias, claro! Aprazada a data, a véspera desse dia era o ponto de partida para o acto. Tinha que ficar tudo preparado ao pormenor; desde o alguidar para aparar o sangue, até ao banco onde o pobre berrava sem obter clemência, até à agulha com linha para coser o buraco do facalhão (assisti a este martírio cruel vezes sem conta, assim, sem o mínimo de consciência – hoje juntar-me-ia à liga de protecção dos animais), até ao panal branco que, no fim do sacrifício, tapava o defunto. Vista a esta distância, a luta era cobardemente desigual, sete ou oito contra um, olha lá!....
Bom, mas vamos ao dia seguinte, o dia da matança propriamente dito.
Logo de manhã bem cedo, cinco ou seis da manhã, dependendo de a «pita» ser velha ou nova, acendia-se o lume e punha-se o almoço a cozer. Normalmente e ao mesmo tempo, eram postos mais dois ou três panelões, um com carnes velhas do porco do ano anterior, outro para cozer a couve tronchuda e a indispensável batata. Tudo isto tinha um sabor que ainda hoje sinto nas minhas papilas gustativas. E o cheiro? Hum!... Os cozinhados eram feitos enquanto os homens tratavam de pôr fim ao animal e o deixavam pendurado no chambaril, aberto e limpo de entranhas. O trabalho deles terminava após o almoço, que era servido por volta das dez. Depois de bem comidos e bem bebidos, saíam e deixavam o espaço livre às mulheres a quem a presença deles, diziam, só estorvava.
A partir daí, a matriarca da casa, com a sua sabedoria, comandava com mestria as operações, que, diga-se em abono da verdade, exigiam experiência.
No fim do dia, todas exaustas mas satisfeitas, e já tendo degustado todos os sabores confeccionados, iam descansar com a consciência de que a tarefa estava apenas no princípio. Era a festa da família.
Tradições que apesar de bárbaras, aproximavam as famílias e os amigos, e deixaram saudades do cheiro da morcela e dos cominhos!...
Bom, mas vamos ao dia seguinte, o dia da matança propriamente dito.
Logo de manhã bem cedo, cinco ou seis da manhã, dependendo de a «pita» ser velha ou nova, acendia-se o lume e punha-se o almoço a cozer. Normalmente e ao mesmo tempo, eram postos mais dois ou três panelões, um com carnes velhas do porco do ano anterior, outro para cozer a couve tronchuda e a indispensável batata. Tudo isto tinha um sabor que ainda hoje sinto nas minhas papilas gustativas. E o cheiro? Hum!... Os cozinhados eram feitos enquanto os homens tratavam de pôr fim ao animal e o deixavam pendurado no chambaril, aberto e limpo de entranhas. O trabalho deles terminava após o almoço, que era servido por volta das dez. Depois de bem comidos e bem bebidos, saíam e deixavam o espaço livre às mulheres a quem a presença deles, diziam, só estorvava.
A partir daí, a matriarca da casa, com a sua sabedoria, comandava com mestria as operações, que, diga-se em abono da verdade, exigiam experiência.
No fim do dia, todas exaustas mas satisfeitas, e já tendo degustado todos os sabores confeccionados, iam descansar com a consciência de que a tarefa estava apenas no princípio. Era a festa da família.
Tradições que apesar de bárbaras, aproximavam as famílias e os amigos, e deixaram saudades do cheiro da morcela e dos cominhos!...
Texto de autoria de Maria Dulce Martins
Leio sempre com muito gosto os seus textos, descrevem ao pormenor e levam-nos (a quem os viveu) para os ambientes que já fazem parte do nosso passado, mas continuam ainda muito vivos em nós...ambientes de união familiar, convívio, algazarra nas casa que alastravam aos vizinhos e eram ouvidos na rua por quem passava...momentos que não voltam mais, mas continuam e continuarão sempre connosco enquanto tivermos memória. Os meus parabéns à escritora. AG
ResponderEliminarObrigada pelo apreço, a si e a todos os que o têm manifestado pessoalmente. Só quero recordar e dar a conhecer aos jovens as nossas tradições que nos deram tanta alegria e os momentos bons por que passámos. Sei que há mais pessoas que podem dar o seu contributo para enriquecer este blog e torná-lo mais dinâmico.
ResponderEliminarUm abraço a todos.
Dulce Martins