03/11/2010

Memórias Paroquiais do Castelleyro (5)



Termina hoje a publicação das Memórias Paroquiais do Casteleiro.

6 – Esta tal ribeira onde principia, corre das partes do nascente e coisa de um quarto de légua no sítio chamado Alvercas limite do mesmo lugar dá uma meia volta e corre de norte a sul.
7 – Nada
8 – Nada
9 – Nada
10 – As suas margens se costumam cultivar para centeio, as árvores que há ao pé dela são algumas oliveiras e alguns amieiros, porém estes não dão frutos. Também ao pé do lugar em alguns chãos que estão junto dela se costuma semear linho de secadal.
11 – Nada
12 – Enquanto corre no limite deste lugar não tem outro nome mais que de ribeira, mas fora do limite toma o nome de Ribeira do Anacer.
13 – Morre na ribeira chamada Meimoa entre o lugar Benquerença e o lugar Escarigo.
14 – Nada
15 – Tem esta ribeira duas pontes de pao, uma no sítio chamado Alaia dos Ramos e outra no sítio chamado as Relvas da Ponte.
16 – Tem dentro do limite desta freguesia esta ribeira sete moinhos e três lagares de azeite, dois pizoins e algum dia teve também um tinte, porém hoje se acha demolido.
17 – Nada
18 – Gozam os povos livremente das suas águas.
19 – Tem de comprimento donde principia até aonde se mete na Ribeira Meimoa duas léguas e não passa senão ao pé deste lugar de Castelleyro.
20 – Quando a folha cai para a parte desta ribeira que chamam a folha de Guaralhais de um sítio que chamam as Portellas para baixo, tem a mitra duas partes e a Comenda uma, e das Portellas para cima terá a Comenda duas partes e a Mitra uma, em todos os frutos.

Castelleiro, 25 de Abril de 1758
Manuel Pires Leal
Cura deste dito lugar








"Reduto", espaço de crónica semanal de autoria de António Marques

3 comentários :

  1. Mais uma vez, sublinhado para as duas partes: por um lado, os colaboradores do Marquês que organizaram as perguntas com bastante pormenor e, por outro, as respostas meticulosas do Padre Leal.
    Note: estamos em 1758.
    De tudo o que hoje aqui lemos, retiro três conclusões:
    1ª - O Casteleiro tinha bastante actividade virada à indústria da época: 7 moinhos (sete, note: é muito); 3 lagares de azeite; uma tinturaria («tinte», à moda espanhola); dois pisões (espécie de fabriqueta em que os panos já tecidos eram bem calcados para ficarem mais compactos, mais tapados - digamos.
    2ª - Na nossa terra, uma parte da própria agricultura estava nessa altura virada para alimentar estas indústrias (a cultura do linho que o P.e Leal refere, por exemplo)- actividades que acredito fossem mais de sobrevivência, ou seja, para abastecer as pessoas da terra do que para fazer comércio para fora da terra com os produtos. Isso digo eu, mas não tenho nenhum fundamento - só o conhecimento da vida na minha terra há 60 anos e o que ouvia os meus avós contar - ou seja, o meu horizonte testemunhal já atinge os anos 20 (1920). E não acredito que as coisas fossem muito diferentes 100 anos antes.
    3ª - A importância central da Ribeira. E (que maravilha!) o facto de sobre ela já haver naquele tempo duas pontes que ainda há: uma ao pé do cemitério (o local das «relvas» que o Padre refere também: quando eu era miúdo era ali que estendiam a roupa lavada a secar e a corar ao sol... e a outra ponte, na Estrada Nacional. Estão a ver por que é que atrás digo que as coisas por estas zonas não mudam a grandes velocidades? As duas pontes de 1758 (sei lá se não vêm já do tempo dos romanos...) ainda se mantêm - apenas lhes foi acrescentada mais uma: exactamente aquela que dá para Gralhais (ao pé do Alvarcão)- um destino que muito fascinava o Padre Leal que está sempre a repetir. «Gralhais». Mesmo que com o grafismo deturpado daquele tempo. Isso é o menos importante.

    Por hoje, paro aqui para não aborrecer o pessoal que não gosta destas coisas.

    Um dia quero falar da «folha» de Gralhais: o que era isso de «a folha» e também das Portelas, da Mitra e da Comenda.

    Isso fica para mais tarde.

    Boa noite!

    (Ganda Padre Leal!)

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  2. Oh Zé Carlos, o pessoal gosta e precisa destas coisas!
    O Padre Leal devia ser um espertalhaço e, já agora, com grande visão de futuro pois não se esqueceu de assinar e datar as Memórias: 25 de Abril...

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  3. Então, cá vai mais um pouco do que me parece que há 200 e tal anos algumas destas palavras representavam.

    Primeiro: a «folha de Gralhais».
    Folha era há muito, mas muito tempo, o conjunto da produção agrícola de uma casa, de um local, de uma pessoa. Mas até há 50 anos, segundo sei, a esmagadora maioria dessa produção era o centeio. Portanto, a «folha de Gralhais» eram, provavelmente, os imensos campos de cereais (centeio) espalhados pelas encostas e em grande parte dos vales.
    Ora o que o Padre Leal diz ao Marquês é que essa produção era dividida em partes destinadas à Comenda («comenda» é o prémio do Rei a alguém por serviços prestados, e esse alguém passa a ser o Comendador, como se sabe). O outro beneficiário era a Mitra - provavelmente alguma instituição local lá daqueles lados de Gralhais / Três Povos - de certeza quase absoluta.
    Outra palavrinha a explicar, como prometido: as «Portelas». Portela, aqui, é uma porta pequena. Ou seja: nas nossas terras falava-se de «portelas» para significar as «aberturas» entre montes, por onde corriam os caminhos e também os rios. Essas passagens eram as «portelas». E haveria lá para Gralhais alguns desses pontos de passagem. Ninguém me tira da cabeça que uma dessas «portelas» poderia ser o caminho que em miúdos seguíamos em grupo familiar alargado quando se ia para a Senhora da Póvoa pela serra: passava-se numa «portela» / um caminho / uma passagem que a Natureza tinha deixado aberta entre os montes. Lembram-se?
    Boa noite.

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