Antes de mais, íamos à escola. Entrava-se cedo e havia aulas de manhã e de tarde. Os professores e as professoras desse tempo, com tantos problemas de pedagogia mal resolvidos, tinham uma coisa muito interessante: davam-nos aulas de apoio da parte da tarde. As escolas eram separadas: as raparigas, na escola de cima (ao pé do Lar), e os rapazes naquela coisinha pequenina do Largo de São Francisco, onde mais tarde foi a Junta. Tinha havido no Casteleiro professores muito violentos, que deixaram má memória nas gerações anteriores: a D. Aurora, que batia nas cabeças e as fazia estourar contra as paredes, nos anos 40; a Rabaça, que batia até fartar, no início dos anos 50. A essa, uma das vítimas, com dificuldades de pronúncia, até lhe chamava «Lhabaça dum filha dé p…), se é que me entendem. Assim mesmo: Lhabaça…
Quem não sabia quantos são 4 vezes 5 ou coisa do género, já sabia: meia dúzia de reguadas ou de varadas pela cabeça abaixo.
De resto, como era um ensino essencialmente baseado na memorização e daí o uso sistemático e obsessivo da repetição, armava-se nas escolas um coro sem-fim do género (bem gritado, quase a cantar):
- 2 vezes um, dois!
- 2 vezes dois, quatro!
- 2 vezes três, seis!
E assim por diante até ao
- 2 vezes 10, vinte!
Do mesmo passo, debitavam-se as linhas de caminho de ferro, com as estações todas alinhadinhas, as serras uma a uma pelo País abaixo (Penedo, Soajo, Gerês…) ou os nomes dos rios todos com os seus afluentes e tudo o mais: coisas que ainda hoje cá estão dentro e ficarão para sempre, claro, a ocupar espaço…
Nos sábados e domingos, era sagrado: ou havia baile em São Francisco ou nos Italianos. Os jovens e adultos dançavam imenso nesse tempo. Nós, os pequenitos, passávamos a tarde a correr que nem uns doidos por entre as pernas dos dançantes, a fugir uns dos outros sem parança. Eram momentos de grande excitação.
Uma vez por acaso, havia comédias ou cinema. As comédias eram trazidas pelo «Delfim e a sua Troupe», incluindo a mulher, Maria Estrela, que fazia trapézio com movimentos que nos pareciam impossíveis e arriscadíssimos. Um dia caiu mesmo. Mas não foi no Casteleiro. O cinema era projectado na parede branca da casa grande dos Srs. João Rosa e Quim Paiva, em São Francisco. E às vezes nos Italianos, também.
E as brincadeiras dos miúdos?
As raparigas da nossa idade tinham lá as suas bonecas com as quais se entretinham horas e horas e na rua brincavam às danças de roda. Também as víamos a jogar em quadrados desenhados no chão, saltando ao pé-coxinho alternadamente de quadrado em quadrado. Acho que lhe chamavam o jogo do «mata». E jogavam à corda e ao «Ti Limão».
Nós, os rapazes, jogávamos ao pião, corríamos a aldeia de alto a baixo com o arco, íamos para o olival atrás do Sr. Tó Pinto e do Sr. José Mourinha brincar aos canais com regos de água que não sei de onde vinham e com represas de onde «canalizávamos» a água através de gargalos de garrafas partidas. As garrafas dos pirolitos davam ainda os berlindes para jogarmos a tarde inteira se preciso fosse.
A ribeira era naturalmente uma atracção irresistível: andava-se lá a tomar banho toda a tarde em grupos de três ou quatro.
Mas o futebol ou lá o que aquilo era – isso, sim, era o máximo. Podíamos andar quatro ou cinco horas a jogar que ninguém se cansava. Qualquer largo de terra batida nos servia mas o «campo» propriamente dito era no largo em frente do Lar, ao pé da padaria desse tempo.
"Memória", espaço de opinião de autoria de José Carlos Mendes
Boa tarde Zé Carlos,
ResponderEliminarNoto uma pitada de nostalgia neste teu post :).
Excelente
Cumprimentos,