08/07/2010

Casteleiro de outrora: profissões

O que se passava antes de eu ter um mínimo de memória das coisas não sei. Mas como funcionava a nossa terra quando eu tinha os meus 6 a 10 anos?
Bom, antes de mais: as pessoas trabalhavam quase todas no campo. E de sol a sol.
Eram as batatas, o milho para os animais, o centeio (nada de trigo, aqui), os pimentos, as couves. Eram as melancias (com poças da altura de um homem para cada uma), era a azeitona, as castanhas para meia dúzia, os pepinos, os tomateiros e pouco mais (nunca tinha visto cenouras até ao dia em que saí do Casteleiro!).
A agricultura era de sobrevivência, ou seja, cada qual cultivava para si os legumes, batatas, pão – e não dava nem para a família quanto mais para outros brilharetes...
Hoje a malta queixa-se e com razão. Então imaginem nesses tempos.
Uma vida muito difícil. Muito difícil.
De vez em quando, havia assim uns mimos.
Vinha peixe uma ou duas vezes por semana. Em caixas de madeira. Peixe salgado como o diabo. Quem o vendia eram as duas «sardinheiras»: a ti’ Carminda e e a ti’ Mari Cândida Madeiras.
Os comerciantes vendiam o bacalhauzito – ainda mais salgado. Matava-se o porquito no Natal / Ano Novo e dava carninha para todo o ano – era a poupar, meus amigos. Alguns iam à caça (caçava-se durante todo o ano nesse tempo).
Havia uns coelhitos numa capoeira ou outra.
As galinhas, duas ou três vezes por ano, ajudavam a aumentar a dose de proteínas. Mas pouco. Até se dizia que só se matava uma galinha quando alguém estava doente. De resto, as galinhas eram para pôr os ovos da praxe. E que bom que era aquele prato de batata frita com ovos estrelados…

Profissões especiais

No Casteleiro, como certamente em cada aldeia, havia umas quantas profissões que fugiam deste registo.
Vamos corrê-las uma a uma.
Primeiro, os lagares de azeite que, em dois meses por ano, ocupavam cinco ou seis pessoas. O mais antigo era nos Lagares, a caminho da Ribeira da Nave, digamos. Depois, funcionavam o do Sr. Manelzinho Fortuna, no Alvarcão, e o da Senhora da Quinta. Trabalhar nestes lagares, não era bem uma profissão: era antes um biscate naqueles dois meses muito duros de trabalhos forçados.
Depois, a padaria do Sr. Abílio Moleiro, lá em cima, ao pé do campo da bola desses tempos, em frente ao actual Lar. A família toda laborava na profissão: o Sr. Hermínio Moleiro (Fernandes), a Sra. Adelina, familiares e empregados.
Um profissional que sempre me impressionou foi um senhor que era latoeiro e caldeireiro. Era o ti’ João Latoeiro. A oficinazita acanhanda dele, lembro-me muito bem, era ali ao Batorel, mesmo em frente da casa do Sr. Manuel Machado (pai do nosso Amigo Daniel Machado e avô do nosso fotógrafo e operador de vídeo, o jovem José Manuel).
Barbeiros, no Casteleiro desse tempo, acho que havia pelo menos três: o ti’ Nàciso (Narciso), o «mudo» (desculpem, mas não me lembro do nome), e o «Zé Rosa». O ti’ Narciso era também «enfermeiro, médico, dentista» – tudo, para desenrascar as situações desse foro.
Comerciantes, houve uns quantos: o t’ Manè Pinto (avô do Paulinho Pinto Martins), ao pé da Praça; mais tarde, o Sr. José Mourinha e o Sr. Tó Pinto; um pouco antes e por pouco tempo, o Sr. Manuel Abade, e sempre, naqueles tempos, o Sr. Firmino – estes dois, mais lá para os lados do Largo do Chafariz.
Para comércio mais grossista, havia o t’ Jaquim Canelo, que viveu lá mais adiante, a caminho da saída para os lados da Ponte.
Carpinteiros, havia o T’ Zé Mel e o Ti Zé Lopes.
Ferreiros: o t’ João Ferreiro e o filho, o Tó Ferreiro (pai do meu especial Amigo Zé Augusto, que também fez a sua vida profissional no mesmo ramo).
Taxistas, havia um só de cada vez: primeiro, o Sr. Quim Paiva, depois o Quiel e por fim, nesses tempos, o meu pai, o t’ Zé Pedro (José Augusto).
Sapateiros havia dois: o ti’ Luís Pinto, na Rua Direita, e o ti’ António Martins no Reduto.
Havia pedreiros na nossa terra. Um grupo deles: em primeiro lugar, os Catanas quase todos (o ti’ João Catana – o tal que batia na televisão da Casa do Povo quando a emissão estava suspensa ou o aparelho avariava! –, o ti’ Manel Catana, irmão do primeiro, e ainda o meu avô, o t’ Jaquim Pedro (Joaquim Catana). O Sr. Venâncio era pedreiro também.
Havia também três alfaiates, o Sr. Tó «Coxo», o Sr. Miguel Coelho e, mais tarde, o Tonito.
E duas costureiras: a Sra. Maria Augusta (mulher do Sr. Miguel «Beijina»), que morava na Rua Direita, logo a seguir à Praça, e a Sra. Ana Eleutério, avó da actual Presidente da Assembleia de Freguesia, Dra. Cristina Alexandrino, que morava no Largo de São Francisco, na casa que ainda é da família.
E havia as duas forneiras: a ti’ Mari Barbra (Maria Bárbara de seu verdadeiro nome, claro) e outra, a ti’ Maria (era chamada só assim, mas os eu nome era Maria da Piedade Leitão). Os fornos ficavam um próximo da casa do Sr. Alexandre Paiva e o outro em frente do balcão da casa do ti’ Henrique Cameira, cuja frente dá para o Reduto.
Na nossa terra naqueles tempos da minha infância houve vários professores que nos marcaram. Penso que, por todos, devo citar o Prof. Neves e a mulher, D. Nazaré.
Houve na terra pelo menos uma tecedeira: a Sra. Antónia, ao Batorel.
Havia o alambique, a São Francisco, com o ti’ Adelino.
E a profissão dos ferreiros (que ferravam burros, cavalos, vacas) tinha dois representantes: Firmino «Ferreiro», do Monte do Bispo, radicado no Casteleiro, e o ti’ António Torra (que também foi taberneiro).
Taberneiros, havia mais dois: o t’ Manel Silva, ao pé do Sr. Tó Pinto, e o t’ Zé «da Velha», na Praça.
E é tudo.
A rapaziada que me lê não se lembra disto. Mais uma vez aconselho-os a que perguntem aos pais e sobretudo aos avós. Eles conhecem isto tudo e vão gostar que vocês lhes leiam os nomes da malta do seu tempo.

Se os conto bem, numa aldeia que à data devia ter uns 1 500 habitantes, haveria aí umas 40 a 50 pessoas que não faziam a sua vida na agricultura mas sim em profissões de outros ramos. Ou seja: 97% eram agricultores; 3% estavam noutras profissões.

Assim era o Casteleiro desse tempo difícil. Muito difícil.




"Memória", espaço de opinião de autoria de José Carlos Mendes

4 comentários :

  1. Boa tarde!
    Ao ler esta crónica reparamos que faltava um barbeiro, que era o Srº Zé Mourinha, e a sua barbearia ficava no largo de São Francisco.


    Atenciosamente.
    Maria do Céu Mendes
    Idalina
    Beatriz

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  2. Exacto. Agradecemos todos a estas «três mosqueteiras» - uma delas é a minha mãe que, nos seus 85 anos, afinal não nega o valor da net... E agradeço às duas outras amigas.
    O Casteleiro já está a melhorar: não há dúvida.
    Obrigado ao Tó Zé e às suas várias equipas.

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  3. Então e o Sr. Narciso, que era barbeiro, dentista, médico de clinica geral (as suas receitas, escritas em papel pardo eram reconhecidas e prontamente aviadas em qualquer farmácia do Sabugal, Caria e Belmonte) e para além de tudo isto, um enorme amigo de todos, e um excelente gastrónomo!....
    Por favor, não se esqueçam deste homem, a quem o Casteleiro deve uma enorme gratidão, HOMENAGEM, até?!
    E sabem como o povo pagava os seus relevantes serviços? Com bens alimentares,uns que a terra dava, e outros que os capoeiros e rebanhos produziam.
    Homem sempre pronto e a qualquer hora!
    Às vezes a a receita para o doente, estava mesmo ali, como ele fazia questão de contar: "Beba água do rego, que isso passa, mulher"!
    Lembro-me muito bem da sua figura, dos seus feitos, incuindo as "pândegas", que também eram muitas...
    Haverá certamente quem melhor do que eu, saiba descrever tal figura, que durante muito anos olhou pela saúde de tanta gente e cuidava de aparar a muitos homens da terra!
    Fica aqui o desafio.
    joaquim gouveia

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  4. E quanto aos alfaiates também me lembro da loja do Abílio "Coxo", na Praça.

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