20/04/2011

O som das badaladas

Na minha aldeia, durante muitos anos, a única forma de orientação para lá da inclinação do sol, era o relógio instalado na torre da igreja.
Dlam, dlam, dlam…
Dolente, sem pressa, ia batendo as horas e dizendo a cada um, em que ponto do dia se encontrava.
Com os ouvidos sempre atentos, as cabeças erguiam-se e contavam:
Uma.
Duas.
Três…
Era a este ritmo manso que, naquele tempo, decorria a vida.
De dia e de noite.
O sino era uma companhia sempre presente.
Se por acaso parava (às vezes esqueciam-se de lhe dar corda), era logo notada a sua falta.
«Hoje o relógio não dá as horas!»
«Que horas serão?»
«Ai, isto assim é uma tristeza»!
Ouvi pessoas dizerem que o relógio era uma companhia, tal era a solidão.
Sempre que me lembro daquele som, revejo a aldeia quieta, serena, em silêncio.
Era um toque forte mas triste.
Sem pressas.
Um toque que soava cá mesmo no fundo, que mexia comigo, sobretudo se fosse em dias de tristeza ou de preocupação.
Ainda hoje quando telefono para casa e oiço lá longe o sino actual, mesmo sem querer, sou transportada para esse tempo.

Depois havia os outros toques do sino.
Esses tinham outras funções.
Praticamente as mesmas de hoje quase sempre relacionadas com actos religiosos.
Mas havia um toque que me marcou mais que qualquer outro.
O toque que anunciava mortes, o toque «a dobrar».
Era certo que esse era um dia de tristeza.
Como a aldeia era e ainda é pequena, a tristeza era geral, o espírito de união deixava todos com um semblante carregado e unidos na dor.
O sino aumentava ainda mais esse sentimento.
Dou comigo muitas vezes a recordar para mim mesma um célebre poema de Fernando Pessoa:

Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

Como é lento…

É bom recordar.
Ainda que as recordações por vezes, não sejam tão agradáveis assim.
É sinal de que aceitamos o passado.







Texto de autoria de Maria Dulce Martins

1 comentário :

  1. E na quaresma o sino não tocava (apenas as horas). Havia uma tábua com duas argolas que ao serem movimentadas faziam um barulho característico, seco, sem som timpânico, era a matraca a anunciar o luto religioso. Tudo era simples, todos compreendiam os sinais daqueles tempos que não voltam mais.
    Agora o relógio da torre é electrico, o som e toque das Avé-Marias, são gravados...já não se ouve na Covilhã como quando o som era o origuinário dos sinos... Mas apesar de tudo ouve-se em todo o Casteleiro, ainda consegue acordar um silêncio tão profundo e inquietante nesta aldeia que todos amamos. AG

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