- Ahh!
No pós-guerra, na nossa terra, não era o crescimento nem o desenvolvimento que marcavam território. Não. O que predominava era a superstição e os mitos.
Um desses mitos passava sempre por mouras encantadas, de que dou um exemplo aí adiante.
E eram muitas as superstições.
Só dois exemplos.
O ladrar «aflito» dos cães em noite de invernia – significava para muitos o anúncio da morte de alguém na aldeia.
A “Quinta da Senhora” era então um pequeno «latifúndio» da nossa zona com casa senhorial – não pela arquitectura mas pela dominação. Tinha lá sempre pavões. Pois havia a superstição de que o grito «de dor» dos pavões da “Quinta da Senhora” à noite significava também a morte de alguém. Ainda hoje, quando penso nesse grito lancinante que atravessava a noite me arrepio todo…
Havia também, claro, os mitos e as lendas da terra. Tinha de ser. Havia muitas naquele tempo. Uma espécie de literatura do maravilhoso infantil, que sempre me maravilhou. Só que os adultos é que acreditavam nelas antes de nós.
Algumas delas tinham a ver com um misterioso rochedo, o «Barroco Riscado».
Por exemplo, a das mouras encantadas.
As mouras encantadas dançavam e faziam as suas festas de comezaina em cima do «Barroco Riscado». É um grande rochedo da serra ao lado da Serra da Vila. Fui lá acima, andei em cima dele uma única vez, na adolescência: o local era tido como semi-misterioso e dado a feitiçarias. O «barroco» tem lá em cima umas poças – seguramente feitas pela erosão dos ventos e da água das fortes chuvadas. As poças são muito redondinhas. Parecem de facto pratos feitos de granito… A lenda que nos contavam dizia que era nesses pratos que as mouras encantadas comiam nas suas festas de feitiçaria…
Contavam-nos isto com o ar mais sério do mundo e muito acontecidos, como então se dizia: muito compenetrados da verdade absoluta da estória.
E nós, boquiabertos:
- Ahh!
Outra estória sobre o mesmo barroco põe o rochedo a «falar»:
- Obrigado a quem me virou – disse o barroco…
De facto, sobre o mesmo barroco contava-se mais uma história de encantar a pequenada toda.
Um dia, há muitos, muitos anos, uns homens que andavam na serra com os gados viram lá umas palavras escritas no barroco.
Um deles sabia ler e leu:
- Quem para o outro lado me virar
Grande tesouro há-de encontrar.
Voltaram-no.
E por baixo, do lado que agora estava para cima, o que leu o mesmo pastor?
- Bem-haja quem me virou
Que há tantos anos deste lado estou.
E nós, maravilhados:
- Ahh!
O pote de ouro
Contava-se ainda na nossa terra que uma das famílias mais ricas tinha chegado à riqueza de uma forma bem estranha: um dia, havia muito tempo, o patriarca da família tinha encontrado uma moura encantada que lhe dissera para «procurar» que «encontrava».
Nem onde nem o quê: apenas «procurar e encontrar».
Procurou e encontrou: havia um pote cheio de moedas de ouro enterradas debaixo do «balcão» (escadaria de pedra de acesso exterior à casa). Mas apanhou um susto antes de chegar às moedas. Porquê? Porque o pote estava guardado por uma serpente gigantesca que estava enrolada ao pote de barro antigo. Então, o dito patriarca daquela família foi buscar uma arma e… matou a serpente. E pronto: ficou com as moedas e ficaram todos ricos.
E nós, admirados e encantados:
- Ahh!
"Memória", espaço de opinião de autoria de José Carlos Mendes
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