Nesta nossa aldeia alojada numa encosta solarenga da Cova da
Beira, havia, como em muitas outras, gente boa, séria, simples e trabalhadora.
De sol a sol, no Verão ou no Inverno, o tempo era preenchido
a trabalhar no campo, onde as costas se curvavam, as mãos calejavam e a pele
tisnava.
Este mourejar dava a alguns para o sustento da família.
Do mal, o menos, para esses.
Mas para outros, os mais desprovidos da sorte, nem tanto.
Viam as dificuldades entrar-lhes portas dentro, sem conseguirem
resposta para elas.
O pão e o resto, nem sempre marcavam presença na mesa onde
os filhos se sentavam de barriga vazia.
O que conseguiam angariar não dava sequer para cumprir
prioridades.
Pior ainda para os que andavam à jorna.
Os donos das terras nem sempre os contratavam.
A pouco e pouco, a tristeza, a incerteza e a revolta iam
surgindo.
As preocupações eram visíveis nos seus rostos.
Tinha que haver uma saída!
Então e as obrigações como homens e pais?
Então e a dignidade que tinham por direito e lhes era
negada?
De repente, fez-se
quase silêncio em muitas famílias.
Os diálogos deixaram de ser abertos.
As conversas francas e descontraídas deram lugar a um quase
murmúrio fora do normal.
Inesperadamente, umas figuras desconhecidas começaram a aparecer.
Rápidas e quase sem deixar rasto.
Tais encontros eram furtivos e fora da aldeia.
Demoravam algum tempo as conversações.
O tempo de arranjar a «fortuna» (naquela altura) que lhes
exigiam para a ida «a salto» para fora do País – quase todos para a França.
Eram os passadores e seus agentes.
Ir a salto era arriscar ir para a prisão.
Os passadores prometiam o paraíso lá longe.
Mas… Quanto? Quando? Onde?
Depois de muitos murmúrios e à boca calada:
– Amanhã às tantas
horas à saída da aldeia.
Em casa, pela calada da noite, as despedidas eram rápidas.
Sem tempo para lamúrias:
– Direi qualquer coisa
logo que possa.
Suspiros, ansiedade, medo.
– Um dia eu volto.
Estropiado e sem saúde?
Ou não?
Foi há 50 anos. Mas parece que foi ontem.
Dulce Martins
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